A HERANÇA MUSICAL DE JIMMY CLIFF
AS CANÇÕES DO CANTOR JAMAICANO QUE SE TORNARAM PARTE DA HISTÓRIA AFETIVA DO BRASIL
João Carlos
10/12/2025
A morte de Jimmy Cliff, aos 81 anos, em 24 de novembro, reacendeu no mundo inteiro a audição de um dos catálogos mais marcantes da música jamaicana. Mais do que um ícone do reggae, Cliff tornou-se um narrador universal, capaz de traduzir resistência, espiritualidade e afeto em canções que atravessam gerações. No Brasil — país que o acolheu como poucos — essa ligação ganhou novas camadas após a divulgação, pelo Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), do ranking das músicas mais populares do artista, um retrato claro de como sua obra continua presente e influente nas últimas décadas.
A trajetória que levou o reggae ao mundo
Antes de se tornar astro global, Cliff já era considerado um dos nomes mais talentosos da Jamaica. Seus primeiros passos no ska e no rocksteady abriram caminho para uma sonoridade que, nos anos 1970, conquistaria o planeta.

Crédito da imagem: Jimmy Cliff no cartaz oficial de The Harder They Come (1972). © International Films / New World Pictures. Reprodução: Prime Video.
Cliff também brilhou no cinema como protagonista de “The Harder They Come”, filme que apresentou o reggae ao público internacional e cujo álbum é lembrado entre as trilhas mais importantes da história.
Com sua voz inconfundível, hinos como “Many Rivers to Cross”, “You Can Get It If You Really Want” e “Wonderful World, Beautiful People” tornaram seu repertório parte fundamental da memória musical global — e profundamente entrelaçado à cultura brasileira.
Recorde, a seguir, o sucesso “The Harder They Come” (“Querem Meu Sangue”), cuja versão em português foi escrita por Nando Reis e gravada por grupos como Titãs e Cidade Negra.
A ligação afetiva com o Brasil
Poucos artistas estrangeiros construíram uma relação tão íntima com o público brasileiro quanto Jimmy Cliff. Desde os anos 1980, o cantor percorreu o país em diversas turnês, colaborou com músicos locais, sambou com o Olodum e aproximou o reggae jamaicano das batidas baianas, criando uma ponte cultural que atravessou gerações.
Sua presença no Brasil também se consolidou por meio das trilhas de novelas, das rádios e das festas, onde suas canções se tornaram parte do cotidiano nacional.
A presença brasileira no legado: a história de Nabiyah Be

Crédito da imagem: Nabiyah Be na capa do álbum O Que o Sol Quer (2025). © Atlantic Records / Warner Music Group. Reprodução: redes sociais.
Essa conexão ganha um significado ainda mais profundo quando se fala de Nabiyah Be, filha de Jimmy Cliff com a psicóloga baiana Sônia Gomes. Nascida em Salvador e criada na capital baiana até os 18 anos, ela simboliza, de maneira única, como a obra do artista ultrapassou fronteiras e encontrou raízes firmes no Brasil.
Desde cedo, Nabiyah conviveu com o universo artístico do pai, acompanhando-o em turnês como backing vocal e dançarina. Ao mesmo tempo, foi moldada pela efervescência cultural da Bahia, trabalhando com nomes de destaque da música local e absorvendo influências que se tornariam parte essencial de sua identidade: mistura de ritmos, estética afro-baiana e uma sensibilidade que ecoa, com força própria, a herança musical paterna.
Aos 18 anos, mudou-se para Nova Iorque para estudar atuação, iniciando uma trajetória internacional que rapidamente chamou atenção. Brilhou no teatro, onde foi aclamada em Hadestown e se tornou a primeira mulher negra brasileira a vencer o Drama Desk Award, um dos prêmios mais prestigiados do circuito teatral dos EUA. No cinema, debutou em grande estilo em Pantera Negra, da Marvel, e conquistou visibilidade global ao interpretar Simone Jackson na série Daisy Jones & The Six, do Prime Video.
Em 2025, lançou O Que o Sol Quer, seu primeiro álbum autoral, que costura influências caribenhas, brasileiras e afro-diaspóricas — um trabalho que reflete, com delicadeza e intensidade, a herança múltipla que carrega.
Incluir Nabiyah Be nessa história não é apenas destacar uma curiosidade familiar: é reconhecer que o legado de Jimmy Cliff segue vivo, movendo-se para além da música e encontrando novas expressões. No caso dela, trata-se de uma voz brasileira, baiana e profundamente conectada às raízes afetivas do artista — um elo que reafirma o alcance e a permanência de sua obra no Brasil e no mundo.
As canções mais populares de Jimmy Cliff no Brasil

Crédito da imagem: Jimmy Cliff em foto publicada nas redes sociais. © Jimmy Cliff / Reprodução: Facebook.
De acordo com o levantamento divulgado pelo Ecad, Cliff deixa 399 obras musicais e 373 gravações, incluindo sucessos globais e faixas que ganharam vida própria no Brasil. A pesquisa aponta “You Can Get It If You Really Want” como sua música mais regravada no país, enquanto “Rebel in Me” aparece como a canção mais executada nos últimos cinco anos nos segmentos de rádio, casas de festas e sonorização ambiental. Recorde abaixo.
As 10 músicas de autoria de Jimmy Cliff mais tocadas no Brasil nos últimos cinco anos
- Rebel in Me – Jimmy Cliff
- Peace – Jimmy Cliff
- Querem Meu Sangue – Jimmy Cliff / Nando Reis
- Now and Forever – Jimmy Cliff
- Love I Need – Jimmy Cliff
- All for Love – Jimmy Cliff
- Going Back West – Jimmy Cliff
- Briga com Ela – Fatima Leão / Valeria / Jimmy Cliff
- Hot Shot – Jimmy Cliff
- The Harder They Come – Jimmy Cliff
Top 5 das músicas de Jimmy Cliff mais gravadas no Brasil
- You Can Get It If You Really Want – Jimmy Cliff
- The Harder They Come – Jimmy Cliff
- Querem Meu Sangue – Jimmy Cliff / Nando Reis
- Samba Reggae – Jimmy Cliff
Por que o Brasil abraçou “Rebel in Me” e “Peace”?
O comportamento de consumo nacional revela uma camada curiosa da relação do público com Jimmy Cliff. Enquanto o mundo costuma associá-lo sobretudo a canções de resistência, o Brasil encontrou no artista também um intérprete de baladas emocionais, profundamente conectadas ao imaginário afetivo do país.
Faixas como “Rebel in Me” e “Peace” tiveram papel determinante nessa popularização ao ganharem destaque em novelas da TV Globo — um dos maiores vetores de difusão musical no Brasil.
“Rebel in Me” integrou a trilha internacional de Rainha da Sucata (1990), embalando o romance dos protagonistas e se tornando um dos temas mais lembrados da teledramaturgia da época. A canção também ganhou projeção global ao fazer parte da trilha sonora do filme Marked for Death (1990), ampliando sua circulação para além do universo televisivo.
Já “Peace” compôs a trilha de Felicidade (1991), como tema da personagem Débora, reforçando a presença emocional da obra de Cliff no cotidiano do público brasileiro.
Essas escolhas ajudaram a transformar ambas as faixas em elementos da memória coletiva: músicas associadas a histórias, personagens, encontros e fases de vida. É uma relação afetiva que transcende épocas — e explica por que essas canções permanecem entre as mais tocadas no Brasil mesmo décadas após o lançamento.
Um legado que ultrapassa fronteiras
A obra de Jimmy Cliff segue viva porque nunca pertenceu apenas ao reggae: ela dialoga com liberdade, identidade, espiritualidade, política e, principalmente, humanidade.
Sua morte encerra uma vida de impacto global, mas reforça a permanência de um repertório que continuará iluminando caminhos. No Brasil, onde o artista encontrou algumas de suas plateias mais calorosas, o legado permanece sólido — seja nas rádios, nas pistas, na televisão ou na memória afetiva de milhões de ouvintes.
Jimmy Cliff partiu, mas sua música — vibrante, luminosa e profundamente humana — continua atravessando gerações com a mesma força.
A obra de Jimmy Cliff na Antena 1
E na programação da Antena 1, Jimmy Cliff segue presente com sucessos que atravessam gerações:
“Love I Need”
Destaca o artista em sua vertente mais dançante, com um reggae pulsante, de clima ensolarado e contagiante, que se tornou presença constante em festas, rádios e playlists brasileiras graças ao seu groove irresistível.
“Reggae Night”
Lançada em 1983, é um dos maiores êxitos comerciais do artista. Escrita por Amir Bayyan, dos irmãos do Kool & the Gang, a faixa levou o reggae ao mercado pop com uma sonoridade vibrante e dançante, conquistando rádios em todo o mundo e se tornando parte definitiva do repertório festivo dos anos 1980 — inclusive no Brasil.
“We Are One”
Lançada em 1983, reforça uma das marcas da obra de Cliff: a defesa da união, da paz e da fraternidade. A música ganhou destaque em eventos internacionais, campanhas e apresentações ao vivo, consolidando-se como um hino de comunhão e esperança.
“I Can See Clearly Now”
Regravação do clássico de Johnny Nash lançada por Cliff em 1993, devolveu a canção às paradas mundiais ao integrar a trilha do filme Cool Runnings (Jamaica Abaixo de Zero). A versão de Cliff ganhou status próprio: iluminada, otimista e capaz de renovar o significado de uma música já consagrada — algo que se tornaria uma de suas identidades artísticas.
Essas faixas, reunidas, ajudam a explicar por que Jimmy Cliff segue tão presente nas rádios brasileiras: cada uma delas carrega um fragmento de sua história — seja a força das pistas, a ternura das baladas, a espiritualidade das mensagens ou a energia luminosa que atravessa toda a sua obra.


