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COMO FUNCIONA O PRIMEIRO COMPUTADOR FEITO COM NEURÔNIOS HUMANOS

DISPOSITIVO JÁ À VENDA UNE CÉLULAS VIVAS E SILÍCIO PARA TAREFAS DE APRENDIZADO E PESQUISA

João Carlos

08/07/2025

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Crédito da imagem: imagem gerada por IA

Um novo paradigma tecnológico desponta: o CL1, desenvolvido pela australiana Cortical Labs, é o primeiro computador híbrido comercial que integra neurônios humanos vivos com circuitos de silício, pronto para compra ou aluguel por instituições científicas. Essa conquista inaugura uma nova fronteira na computação biológica — ao juntar as propriedades adaptativas do cérebro com a precisão da eletrônica — e aponta para uma era em que máquinas aprendem de maneira verdadeiramente orgânica.

Como funciona esse computador biológico?

O CL1 incorpora cerca de 800 mil neurônios humanos derivados de células-tronco (iPSCs), cultivados em placas sobre chips de silício com alta densidade de eletrodos. Nele, os neurônios recebem estímulos elétricos bidirecionais via o sistema chamado biOS (Biological Operating System), que permite aplicar códigos diretamente aos neurônios e ler sua atividade em loops de feedback de sub-milissegundos.

O hardware, no tamanho de uma caixa compacta tipo "shoebox" (~50 × 15 × 15 cm), possui um sistema interno de suporte à vida — com circulação de nutrientes, controle de temperatura, filtração de resíduos e mistura gasosa — permitindo autonomia de até 6 meses.

Em escala fina, os neurônios formam conexões sinápticas espontâneas e se tornam auto-programáveis — um reflexo de bilhões de anos de evolução — criando redes orgânicas com capacidade de aprendizado adaptativo.

O que dizem os pesquisadores?

Dr Brett Kagan, Chief Scientist da Cortical Labs [em destaque acima], comenta:

“The neuron is self-programming, infinitely flexible, and the result of four billion years of evolution.”

“O neurônio é autoprogramável, infinitamente flexível e é o resultado de quatro bilhões de anos de evolução.”

Ele destaca também que o elo entre biologia e eletrônica é possível porque ambos utilizam impulsos elétricos, tornando a ponte natural e eficiente:

“One of the really nice things is that the shared language between neural cells and silicon computing is electricity.”

“Uma das coisas realmente interessantes é que a linguagem compartilhada entre as células neurais e a computação de silício é a eletricidade.”

Dr Hon Weng Chong, CEO da Cortical Labs [na imagem acima], reforça o aspecto biológico:

“We take blood or skin and we can transform them into stem cells and from stem cells into brain cells or neurons that we then use … for compute and intelligence.”

“Pegamos sangue ou pele e podemos transformá-los em células-tronco e, a partir delas, em células cerebrais ou neurônios, que então usamos… para computação e inteligência.”

Para que serve esse “wetware” na prática?

O CL1 possui aplicações promissoras em várias áreas científicas:

  • Modelagem e estudo de doenças neurológicas como epilepsia e Alzheimer, em ambiente 100% humano e livre de testes animais.
  • Descoberta de fármacos, testando reações verdadeiras em neurônios vivos.
  • Robótica adaptativa, explorando respostas mais realistas do que IA convencional.
  • Inteligência artificial com baixo consumo energético, em comparação com supercomputadores tradicionais que consomem dezenas de kW; o CL1 opera com apenas ~1 000 W em rack de pesquisa.

O dispositivo também serve como campo de estudo para padrões cognitivos, sendo testado com drogas antiepilépticas para avaliar recuperação de funções em redes comprometidas.

Está disponível?

Sim. O CL1 já pode ser adquirido por US$ 35 mil (≈ R$ 190 mil), com opção de wetware-as-a-service via aluguel semanal por US$ 300 ou acesso remoto na Cortical Cloud*.

As primeiras unidades começaram a ser despachadas globalmente — EUA, Europa, Ásia — já no segundo semestre de 2025, abrindo acesso real à tecnologia de computadores vivos para pesquisa translacional.

O que é a Cortical Cloud*?

O CL1 também marca a introdução do conceito de Cortical Cloud (ou “nuvem cortical”, em tradução livre) — um termo emergente da neurotecnologia e da computação biológica.

Essa “nuvem” não é composta de dados digitais tradicionais, mas de redes de neurônios vivos conectadas entre si via dispositivos eletrônicos, funcionando como elementos centrais de processamento distribuído, com base no funcionamento do córtex cerebral humano.

Os principais sentidos do termo incluem:

  • Interface cérebro-computador distribuída: múltiplas culturas neurais em rede, que aprendem, se adaptam e resolvem tarefas de forma bio-inspirada;
  • Alternativa biológica à IA tradicional: com aprendizado contínuo, eficiência energética e capacidade de generalização inédita;
  • Exemplo prático: o experimento DishBrain — onde neurônios aprenderam a jogar Pong — é considerado um embrião da Cortical Cloud. Se múltiplos sistemas como o CL1 forem interligados, formariam uma rede viva e pensante.

Em resumo, a Cortical Cloud é uma arquitetura biológica distribuída, com potencial para ser usada tanto em pesquisas médicas quanto em soluções futuras de IA, com base na própria estrutura do cérebro.

Do Pong ao CL1: evolução da plataforma

Em 2022, a plataforma prévia DishBrain, também da Cortical Labs, tornou-se famosa ao demonstrar que neurônios humanos podiam aprender a jogar Pong, segundo o Free Energy Principle de Friston. O CL1 evoluiu esse conceito ao adicionar:

  • Mais eletrodos (de poucos para 59)
  • Suporte vital robusto para meses de operação
  • Interface de usuário, carregamento de código e plugabilidade com dispositivos USB.

Questões técnicas e éticas em debate

O avanço representado pelo CL1 — primeiro computador híbrido funcional com neurônios humanos vivos e circuitos de silício — desperta debates que transcendem a inovação tecnológica, estendendo-se às esferas da bioética, filosofia da mente e regulação científica.

Um dos principais pontos de atenção diz respeito à possibilidade de consciência emergente. Embora os pesquisadores da Cortical Labs afirmem que não há qualquer evidência de consciência nos sistemas cultivados, os neurônios demonstram comportamentos adaptativos, com padrões de resposta “inteligentes” e, por vezes, descritos como "sentient-like", ou seja, com traços rudimentares de percepção e resposta ao ambiente. Tais observações não apenas estimulam o fascínio científico, mas também levantam preocupações éticas em torno dos limites entre simulação e vivência neuronal.

Outro desafio técnico diz respeito à limitação do tempo de vida das culturas neuronais. Atualmente, o CL1 opera com viabilidade celular por até seis meses, o que restringe seu uso contínuo. Além disso, não há transferência de memória ou aprendizado entre dispositivos, o que torna cada unidade biologicamente única — e, ao mesmo tempo, descartável ao fim do ciclo.

Do ponto de vista ético, há consenso de que essa abordagem representa um avanço em relação aos métodos tradicionais que envolvem testes em animais vivos, principalmente em contextos farmacológicos. No entanto, especialistas em bioética alertam que a manipulação de tecidos cerebrais humanos, mesmo sem consciência, exige marcos regulatórios atualizados, transparência institucional e supervisão multidisciplinar. A questão central se concentra na responsabilidade moral envolvida na criação de sistemas vivos que, ainda que rudimentares, exibem propriedades sensíveis à experiência.

Em síntese, à medida que a computação biológica se aproxima da interface entre tecnologia e cognição, torna-se indispensável que os avanços sejam acompanhados por instrumentos éticos claros, protocolos científicos consistentes e debate público qualificado — evitando que a inovação ultrapasse os limites éticos antes mesmo de compreendermos plenamente o que está sendo criado.

Um novo capítulo na computação

O CL1 inaugura a era da computação biológica, instalando a interface entre biologia viva e lógica digital. Mais que uma novidade, é uma ferramenta que pode revolucionar a neurociência translacional, o desenvolvimento de modelos cognitivos reais e abrir portas para robótica orgânica e IA de baixo consumo.

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