O AVANÇO DAS GRAVADORAS INDEPENDENTES EM 2025
INDIES JÁ REPASSAM 77% DOS LUCROS AOS ARTISTAS, APONTA RELATÓRIO ORCA REPERCUTIDO PELA NME
João Carlos
05/12/2025
As gravadoras independentes viveram em 2025 um dos momentos mais sólidos de sua história recente. Um estudo divulgado pela ORCA (Organization for Recorded Culture and Arts) e repercutido pela New Musical Express (NME) revela que esses selos destinam 77% de todo o lucro diretamente aos artistas — um desempenho que supera com folga o das grandes majors e reforça a reputação do setor indie como um espaço de parcerias mais transparentes, sustentáveis e centradas no longo prazo.
O estudo que mudou a conversa no mercado
O relatório The Economic and Social Impact of Independent Record Labels analisou dados de nove gravadoras independentes de referência internacional, entre elas Domino, Ninja Tune, XL Recordings e outras integrantes de grupos como Beggars e Secretly. Em 2023, esses selos investiram US$ 134 milhões no desenvolvimento de 569 artistas, abrangendo gravação, turnês, marketing e ações de fortalecimento de carreira. A média por artista chegou a cerca de US$ 236 mil, um aporte significativo num cenário de competição acirrada.
O retorno financeiro surpreendeu: o conjunto das indies gerou US$ 239 milhões em receita, equivalente a US$ 1,77 para cada dólar investido. Depois dos custos, o lucro ficou em US$ 0,77 por dólar, com 77% desse valor retornando diretamente aos artistas em diferentes formas de remuneração. Trata-se de um padrão raro na indústria da música, marcado historicamente por contratos que privilegiam majoritariamente os selos.
A força do catálogo: streaming, vinil e sincronização
O bom desempenho financeiro não depende apenas do streaming — embora ele lidere com 59,5% da receita. As gravadoras independentes mostram musculatura também em formatos físicos, que representaram 25,9% do faturamento em 2023, desempenho acima da média global. A explicação passa pelo público altamente engajado, ávido por vinis, edições especiais e produtos de catálogo cuidadosamente produzidos.
Outro destaque é o crescimento do licenciamento para trilhas de filmes, séries, publicidade e games. A fatia de sincronização chegou a 7,4% da receita, mais que o triplo da média mundial. Esse movimento amplia as janelas de exposição dos artistas e diversifica o fluxo de renda, estratégia cada vez mais essencial no ambiente musical atual.
Visibilidade real em um mar de 202 milhões de faixas
A pesquisa da ORCA também mediu o alcance digital dos artistas associados às gravadoras analisadas. Entre 2023 e 2025, eles registraram um crescimento médio de 44% em seguidores no Spotify, um salto expressivo diante de um ecossistema saturado por mais de 202 milhões de faixas disponíveis nas plataformas.
Em um ambiente onde milhares de músicas são lançadas diariamente, o dado fortalece o argumento de que as indies conseguem entregar não apenas números pontuais de streams, mas crescimento orgânico de audiência, fruto de estratégias de marketing de catálogo, curadoria e participação em turnês e sincronizações.
Por que as indies seguem mais flexíveis que as majors
As majors — Universal Music Group, Sony Music e Warner Music — dominam o mercado global, mas carregam estruturas mais rígidas e contratos mais complexos. Já as independentes operam com times menores, ciclos de aprovação mais rápidos e maior disposição para assumir riscos artísticos, característica fundamental para o surgimento de novas cenas e movimentos culturais.
O relatório reforça que esses selos atuam como “investidores estratégicos e guardiões culturais”, combinando visão artística e sustentabilidade financeira. Para muitos músicos, isso se traduz em um modelo mais justo: menos adiantamento imediato, mas participação mais alta nos lucros ao longo do tempo e relações mais transparentes.
Uma indústria mais diversa — nos palcos e nos bastidores
O estudo também revela mudanças importantes em governança e representatividade, destacando um avanço consistente dentro das gravadoras independentes. Entre os selos analisados, 31,5% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres, enquanto elas representam 46,6% de toda a força de trabalho. No campo artístico, a presença feminina também se destaca: 41,8% dos projetos lançados em 2023 envolveram mulheres, seja como protagonistas solo, seja como parte de formações mistas. Esses percentuais, superiores à média global da indústria da música, apontam para um ambiente mais atento à diversidade e mais alinhado às expectativas culturais e sociais do público contemporâneo.
O que esse movimento sinaliza para artistas — inclusive no Brasil
Para artistas iniciantes e nomes já consolidados, o avanço das independentes ajuda a esclarecer algumas tendências que moldam o mercado atual. A primeira delas é o modelo de parceria, já que a devolução de 77% do lucro diretamente aos artistas demonstra um compromisso claro com a participação financeira de quem cria a obra. A segunda é o foco em carreira, e não apenas em lançamentos isolados: o investimento médio superior a US$ 200 mil por artista mostra que essas gravadoras apostam em trajetórias consistentes e duradouras, em vez de depender exclusivamente de hits imediatos.
Também se destaca a necessidade de proteção num mercado saturado, em que estratégias de catálogo, presença ao vivo, valorização do vinil e oportunidades de sincronização se tornam essenciais para garantir visibilidade real em meio ao volume diário de lançamentos.
No Brasil, onde a cena independente é rica em talento, mas ainda enfrenta limitações estruturais, o relatório funciona como referência estratégica. Ele indica caminhos como diversificar receitas, fortalecer comunidades de fãs e construir relações contratuais mais transparentes, aproximando artistas de modelos mais equilibrados e sustentáveis de desenvolvimento profissional.


