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OS RECORDES DA INDÚSTRIA DA MÚSICA AO VIVO E O PREÇO DO SEU INGRESSO

ENTENDA POR QUE, EM UM MERCADO QUE NÃO PARA DE QUEBRAR RECORDES, O SEU INGRESSO TAMBÉM FICA CADA VEZ MAIS CARO

João Carlos

24/11/2025

Placeholder - loading - Crédito da imagem: Taylor Swift na capa do álbum Speak Now World Tour Live (2011). Reprodução: Spotify / Big Machine Records.
Crédito da imagem: Taylor Swift na capa do álbum Speak Now World Tour Live (2011). Reprodução: Spotify / Big Machine Records.

A recente notícia de que a After Hours Til Dawn Tour, liderada pelo astro canadense The Weeknd, ultrapassou oficialmente a marca de US$ 1 bilhão em arrecadação — tornando-se a primeira turnê de um artista negro a alcançar esse patamar, segundo a Billboard — é apenas o capítulo mais recente de uma corrida que parece não ter limites. Nos últimos anos, recordes que antes levariam décadas para ser superados passaram a cair em sequência: Taylor Swift, Coldplay e outros gigantes do pop e do rock estabeleceram novos parâmetros para o que significa lotar estádios no século XXI.

Mas enquanto a festa das megaarrecadações ilumina arenas ao redor do mundo, cresce um movimento igualmente amplo de reação. Fãs, artistas e até governos — entre eles Reino Unido e Estados Unidos — questionam práticas como preços dinâmicos, taxas ocultas e revendas inflacionadas, que transformaram o simples ato de comprar um ingresso em uma disputa entre demanda, tecnologia e poder econômico.

No Brasil, que entrou de vez na rota das grandes turnês internacionais, o cenário também é de expansão vertiginosa. De acordo com o relatório PIB da Música 2025, elaborado pela ANAFIMA, o setor musical movimentou R$ 116,06 bilhões em 2024, dos quais R$ 94 bilhões vieram exclusivamente da música ao vivo — uma cifra que coloca o país entre os dez maiores mercados musicais do mundo. Entender essa engrenagem global é essencial para responder a três perguntas centrais:

os preços dos ingressos são justos ou abusivos?
quem controla as regras desse jogo bilionário?
e até que ponto a pressão de fãs e artistas pode influenciar um sistema movido por cifras astronômicas?

Quem manda no jogo das mega turnês — e como as gigantes do entretenimento impulsionam os artistas bilionários

Crédito da imagem: foto de um anúncio promocional do show da banda Coldplay. Fonte: redes sociais oficiais.

Se Taylor Swift, Coldplay e The Weeknd ocupam hoje o topo do ranking das turnês mais lucrativas da história, não é apenas porque movem multidões apaixonadas — mas porque operam dentro de uma engrenagem global altamente profissionalizada. Trata-se de uma lógica industrial integrada verticalmente, comandada por poucas e poderosas empresas que controlam praticamente todas as etapas de uma produção de grande porte: negociação de cachês, definição de rotas, gestão de arenas, logística internacional, marketing, bilhetagem e ativações comerciais.

O núcleo duro do mercado: Live Nation, AEG e OCESA

Do ponto de vista estrutural, o mercado mundial de shows funciona como um oligopólio. Poucas empresas articulam a operação global por trás das megaturnês que movimentam bilhões.

A Live Nation Entertainment, avaliada em cerca de US$ 30,3 bilhões (2025), é a maior promotora de shows do planeta — e a força dominante por trás de grande parte das turnês de alto impacto. Controla arenas, calendários, rotas, produção, marketing e, sobretudo, a Ticketmaster, responsável por milhões de ingressos vendidos anualmente. A empresa mantém escritórios nos principais centros de consumo cultural, como Los Angeles, Nova York, Londres, Berlim, Sydney, Tóquio e São Paulo, garantindo que megaturnês circulem por dezenas de países com eficiência e lucratividade.

A AEG Presents, historicamente avaliada entre US$ 8 e US$ 10 bilhões, é a principal concorrente da Live Nation. Responsável por festivais como Coachella e turnês de artistas como Elton John, BLACKPINK e Rolling Stones, opera intensamente na América do Norte, Europa e Ásia, mantendo hubs estratégicos em Los Angeles, Londres, Xangai, Berlim e Sydney.

Já a OCESA/CIE, potência latino-americana controlada majoritariamente pela Live Nation após uma aquisição de mais de US$ 646 milhões, é a principal responsável pela chegada de megaturnês ao México, Chile, Argentina e Brasil. Sua presença regional e atuação local permitem que a América Latina participe ativamente do circuito global de grandes espetáculos.

Relatórios especializados apontam que esse “núcleo duro” concentra o poder decisório sobre cachês, calendários, rotas internacionais e até custos operacionais — um arranjo que explica como artistas como The Weeknd, Taylor Swift e Coldplay conseguem percorrer dezenas de países com espetáculos equivalentes em escala, qualidade e execução.

A lógica por trás dos bilhões

É nessa articulação entre artistas de alcance planetário e produtoras multinacionais que se constrói o novo teto de arrecadação das megaturnês.

A Eras Tour, de Taylor Swift, só pôde ultrapassar US$ 2,2 bilhões porque operou como uma máquina global integrada, com contratos e calendários sincronizados. O Coldplay, por sua vez, beneficia-se de parcerias de décadas com grandes promotoras e de um modelo de turnê modular que facilita escalas em estádios homologados ao redor do mundo. Já The Weeknd tornou-se o primeiro artista negro da história a ultrapassar US$ 1 bilhão porque sua turnê foi planejada, desde o início, para uma expansão global multianual.

Em todos os casos, a equação é semelhante: logística em escala, modelos híbridos de financiamento, acordos de exclusividade, pacotes VIP globais e sincronização internacional — elementos impossíveis de operar sem as gigantes que lideram o setor.

O discurso do setor — e a reação dos fãs

Executivos das grandes promotoras defendem que os preços dos ingressos ainda estão abaixo do potencial real. O próprio Michael Rapino, CEO da Live Nation, afirmou em setembro, durante a conferência Game Plan da CNBC/Boardroom, que “o show está subvalorizado e está há muito tempo assim… o preço médio de um show é de US$ 72. Vá a um jogo dos Lakers com isso…”, ao comparar a música ao vivo com o mundo dos esportes premium.

A declaração provocou repercussão: para os fãs, o argumento soou desconectado da realidade, com pacotes VIP ultrapassando US$ 5 mil, setores premium no Brasil acima de R$ 3 mil e experiências de show transformadas em objeto de luxo.

Para milhões de fãs, o show ao vivo deixou de ser um hábito e se transformou em um planejamento anual.

Como se constrói o preço de um ingresso

Crédito da imagem: The Weeknd em foto promocional de sua turnê, publicada nas redes sociais. Fonte: Facebook.

A pesquisa que dá base a esta matéria mostra que o preço do ingresso é resultado de uma combinação de fatores econômicos, técnicos e estratégicos — e, nos últimos anos, também de decisões automatizadas e estruturas de mercado altamente concentradas. Trata-se de uma engrenagem complexa que envolve desde custos reais de produção até mecanismos digitais que reagem à demanda em tempo real, ampliando a percepção de que o sistema está sempre calibrando o limite do bolso do consumidor.

Oferta fixa, demanda explosiva

Estádios e arenas têm capacidade limitada. Quando a procura por um artista global ultrapassa, com folga, o número de lugares disponíveis, os preços sobem — sobretudo nos setores de melhor visibilidade, onde a percepção de exclusividade aumenta o valor cobrado.

Custos de produção e logística

Turnês atuais carregam estruturas monumentais: palcos gigantes, telas de LED de altíssima definição, efeitos especiais complexos, transporte internacional de toneladas de equipamentos, seguros, vistos, equipe técnica especializada e segurança reforçada. Tudo isso impacta diretamente a planilha de custos.

Cachês em dólar ou euro

Os contratos das grandes estrelas são negociados em moedas fortes. Em países com moeda mais fraca, o efeito do câmbio é imediato sobre o preço final do ingresso — cada oscilação se traduz em aumento no custo local.

Taxas das plataformas

Além do valor do ingresso, o consumidor enfrenta uma série de taxas — de conveniência, serviço, processamento, entrega — que podem adicionar de 10% a 20% ao preço nominal, muitas vezes reveladas apenas nas etapas finais da compra.

Segmentação extrema

O mesmo show é comercializado em múltiplas camadas: setores “populares”, pista, pista premium, camarotes corporativos, áreas VIP com benefícios adicionais, pacotes com brindes, experiências exclusivas ou meet & greet. O ingresso deixou de ser uma entrada única e passou a ser um portfólio de produtos.

Precificação dinâmica (dynamic pricing)

Em muitos mercados, o valor do ingresso não é fixo: algoritmos recalculam o preço conforme a procura — como acontece com passagens aéreas. Se a demanda dispara, o preço acompanha, subindo em questão de minutos ou até segundos.

Concentração de mercado e falta de alternativas

Outro elemento que agrava a situação é a concentração da venda de ingressos em poucas plataformas globais. Com a dominância de empresas como Ticketmaster em vários mercados, o consumidor tem menos opções e menor poder de escolha, ampliando a sensação de que os preços são ditados unilateralmente.

Mercado secundário e revenda inflacionada

A dificuldade de coibir práticas abusivas na revenda — com ingressos esgotados reaparecendo por valores multiplicados — adiciona um componente de frustração que tem levado governos e órgãos reguladores a agir.

No papel, todos esses mecanismos podem parecer parte natural de um mercado aquecido; na prática, para o fã diante da tela do celular, o efeito é outro: a percepção de que a lógica de precificação é opaca, volátil e frequentemente injusta. O resultado é um cenário no qual o show ao vivo, antes um hábito recorrente, transforma-se cada vez mais em um planejamento anual — emocional e financeiramente calculado.

A América Latina no radar das grandes turnês

Apesar das tensões que cercam o mercado, o mapa global das turnês aponta para uma direção clara: a América Latina deixou de ser periférica e tornou-se uma das novas fronteiras estratégicas da música ao vivo. Relatórios internacionais indicam que o mercado latino ultrapassou US$ 1,5 bilhão em 2024, com projeções de crescimento acima de 8% ao ano nesta década, impulsionado por streaming, turismo cultural e pela chegada constante de grandes shows.

Publicações como a Rolling Stone destacam que o Brasil já figura entre os dez maiores mercados musicais do mundo, registrando crescimento superior a 20% em apenas um ano. Grupos como Live Nation, OCESA e promotoras regionais ampliaram suas operações no continente, tratando cidades latino-americanas como paradas obrigatórias nas rotas globais.

O continente não é mais apenas recebedor de turnês: tornou-se vetor essencial de receita, com público engajado e festivais que rivalizam com os de mercados tradicionais da Europa e dos EUA.

O crescimento do mercado brasileiro de música ao vivo

Nesse contexto, o Brasil ocupa posição estratégica. Consultorias internacionais apontam que o país deve crescer mais de 70% em receita até o início da próxima década, somando música ao vivo, streaming, sincronização e serviços correlatos.

O turismo musical tornou-se um motor econômico relevante: shows e festivais movimentam cadeias inteiras de hotéis, bares, restaurantes e transportes. Megashows gratuitos — como o de Madonna, em Copacabana, em 2024 — projetaram internacionalmente o país como vitrine global de espetáculo e cultura.

Paralelamente, artistas brasileiros ganharam maior presença no cenário internacional. Além de Anitta, cuja turnê Baile Funk Experience foi produzida pela Live Nation, nomes como Luísa Sonza e Luan Santana passaram a figurar em festivais internacionais, colaborações globais e listas de streaming ao redor do mundo.

O consumo interno também vive expansão acelerada. Em 2024, artistas brasileiros receberam mais de R$ 1,6 bilhão em royalties no Spotify, alta de 31% em relação ao ano anterior — indicador indireto do apetite crescente por música e experiências ao vivo.

Ainda assim, o país enfrenta desafios estruturais: desigualdade de renda, infraestrutura irregular para grandes eventos e concentração de shows em poucas capitais tornam o acesso desigual.

O impacto econômico da música no Brasil

Segundo o relatório ANAFIMA 2025, a música movimentou R$ 116,06 bilhões em 2024. Dos R$ 94 bilhões provenientes da música ao vivo, mais de 100 mil eventos foram registrados com ticket médio de R$ 432. Megaeventos chegam a cobrar mais de R$ 3 mil em setores premium.

O mercado fonográfico faturou R$ 3,48 bilhões, dos quais 87,6% vêm do streaming. O Spotify lidera com 60,7% das assinaturas pagas. O Ecad arrecadou R$ 1,8 bilhão, sendo os serviços digitais a principal fonte de direitos autorais pela primeira vez.

Entretanto, há gargalos a superar: 99,1% dos instrumentos e equipamentos de áudio são importados; 53% das empresas do setor estão no Sudeste; 30,1% estão só em São Paulo. Com 13,3 mil empregos formais, mas 88,4% das empresas classificadas como microempresas (e quase metade como MEI), o setor carece de políticas estruturais. Para Daniel Neves, presidente da ANAFIMA, isso exige a criação de uma Agência Nacional da Música para organizar dados, fomentar políticas públicas e fortalecer a profissionalização.

Um futuro imprevisível

A grande pergunta que se impõe, diante de um mercado que cresce sem limites, é inevitável: até quando os shows de grandes artistas serão acessíveis apenas aos fãs que podem pagar pela escalada incessante dos preços, empurrando para fora milhões de pessoas que, apesar de apaixonadas por música, não conseguem mais acompanhar esse movimento?

E, mais do que isso, como artistas, fãs, autoridades e empresas deverão se posicionar diante de uma divisão econômica cada vez mais evidente, em que a arte — historicamente concebida como instrumento de encontro, celebração coletiva e construção de vínculos — corre o risco de se transformar em um objeto de limitação, separação e privilégio?

Se o palco sempre foi um espaço de união, o que acontece quando ele passa a refletir, de forma tão direta, as desigualdades da economia contemporânea?

Fontes Consultadas para a edição dessa matéria

Relatórios e Entidades Setoriais

– Relatório PIB da Música no Brasil – Edição 2025, ANAFIMA
– Relatórios internacionais de mercado – IFPI, Hypebot, Music Business Worldwide
– Dados de arrecadação do Ecad (2024–2025)

Veículos Internacionais

Billboard: recordes de The Weeknd, Taylor Swift e Coldplay
BBC News: preços dinâmicos, regulação no Reino Unido e práticas da Ticketmaster
Forbes: custos de produção, preços de ingressos, megaestruturas de turnês
Rolling Stone (EUA e Brasil): crescimento do mercado latino-americano
Music Radar: declaração de Michael Rapino (Live Nation) sobre “ingressos subvalorizados”
Music Business Worldwide: movimentações da Live Nation, OCESA e AEG
CNBC / Boardroom: conferência Game Plan – posicionamento da Live Nation
Hypebot: análises de mercado global e latino-americano

Veículos Brasileiros

G1 Globo: debates sobre preços e regulações
CNN Brasil: turnês internacionais e expansão do mercado latino-americano
Terra: preços dinâmicos, transparência e impacto da Ticketmaster
InfoMoney: finanças pessoais, impacto do câmbio e custos de shows
Exame: CCXP, preços de ingressos e economia da música
Seu Dinheiro: declarações de executivos da Live Nation
TMDQA!: dados sobre PIB da música, mercado brasileiro e turnês
Época Negócios: tendências de consumo cultural
Portal Popline: custos de eventos, setor cultural e festivais
UOL / Music Non Stop: mercado da música no Brasil
Revista Face – UFMG: estudos acadêmicos sobre desigualdade e acesso à cultura

Pesquisas Especializadas e Observatórios

– Pesquisa Serasa: impacto dos preços de shows no orçamento do brasileiro
– Estudos sobre precificação dinâmica (dynamic pricing)
– Estudos sobre cambistas digitais, bots e revenda internacional
– Observatórios de Cultura e Economia Criativa

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