PARQUES URBANOS: HYDE PARK, LONDRES
DA CAÇA REAL À PRAÇA ABERTA: HISTÓRIA, CULTURA E LIBERDADE DE EXPRESSÃO EM 350 ACRES
João Carlos
09/10/2025
No coração de Londres, o Hyde Park consolidou‑se como o grande palco a céu aberto da cidade: um parque urbano onde convivem história, esporte, música e liberdade de expressão. Sua trajetória, do domínio real à praça pública contemporânea, ajuda a entender por que áreas verdes bem cuidadas moldam o cotidiano e a identidade cultural de uma metrópole.
De parque real a espaço público
O Hyde Park tem origens que remontam ao século XVI. O terreno foi adquirido pelo rei Henrique VIII, em 1536, para servir como área de caça real, isolada por muros e acessível apenas à nobreza. No século seguinte, o rei Carlos I decidiu abrir o parque ao público, em 1637, transformando-o em um dos primeiros espaços verdes de acesso livre da Europa.
O novo espaço logo se tornou um reflexo da vida londrina, palco de passeios de carruagem, piqueniques e encontros sociais, especialmente ao longo da Rotten Row, a primeira estrada iluminada da Inglaterra, projetada ainda no século XVII. Hoje, o parque ocupa 142 hectares (350 acres) e integra o conjunto de Royal Parks, formando, com o Kensington Gardens, o Green Park e o St James’s Park, um dos corredores verdes mais icônicos da Europa. O lago Serpentine, criado em 1730 por iniciativa da rainha Caroline, deu ao Hyde Park um caráter paisagístico inovador, introduzindo curvas naturais e áreas de banho que contrastavam com o urbanismo formal de Londres.
A paisagem foi se transformando ao longo dos séculos, acompanhando a própria evolução da cidade. O parque foi palco de celebrações reais, exposições internacionais e manifestações populares, e soube equilibrar tradição e modernidade sem perder o vínculo com sua origem: a ideia de que o espaço público deve ser partilhado por todos.
A palavra livre em cena: Speakers’ Corner
A tradição de falar em público no Speakers’ Corner emergiu no século XIX, associada às grandes manifestações e debates que ocupavam o parque. A origem simbólica remete ao antigo cadafalso de Tyburn, onde os condenados, antes da execução, faziam seus discursos derradeiros — palavras de desafio, arrependimento ou crítica ao poder, que ecoavam diante das multidões e, com o tempo, deram origem à ideia de um espaço dedicado ao direito à palavra.
Um dos episódios mais marcantes ocorreu em 1866, quando cerca de 150 mil pessoas se reuniram no parque durante os protestos do movimento pela Reforma Eleitoral, exigindo a ampliação do voto no Reino Unido. A repressão policial resultou em confrontos, mas a pressão pública foi tão intensa que levou à aprovação do Reform Act de 1867, ampliando o sufrágio para parte da classe trabalhadora. Desde então, o Speakers’ Corner tornou-se símbolo da resistência cívica e da liberdade de expressão, palco de discursos de Karl Marx, George Orwell, Emmeline Pankhurst e tantos outros que moldaram o pensamento político britânico.
Até hoje, o canto nordeste do parque reúne oradores e ouvintes em debates improvisados, mantendo viva a tradição de um espaço em que qualquer voz pode ser ouvida — e onde o simples ato de falar em público é um exercício de democracia.
O palco da cidade: exposições e megashows
Muito antes dos festivais atuais, o Hyde Park já recebia multidões. Em 1851, a Grande Exposição levou mais de 6 milhões de visitantes ao Crystal Palace erguido no parque — um marco da modernidade vitoriana. No século XXI, o espaço segue como endereço de grandes concertos e celebrações culturais, consolidando-se como um dos palcos mais icônicos do mundo.
Nos últimos anos, o festival BST Hyde Park (British Summer Time) tem reunido alguns dos maiores nomes da música pop e rock. Em 2024, por exemplo, o show de Taylor Swift atraiu uma multidão estimada em 90 mil pessoas, transformando o parque em uma verdadeira cidade de fãs ao ar livre. No mesmo evento, artistas como Dua Lipa, Billy Joel, P!nk e The Rolling Stones também lotaram o local, reafirmando o Hyde Park como o coração musical de Londres durante o verão. Mais do que um espaço para espetáculos, o parque tornou-se símbolo de convivência entre gerações e estilos, onde a música ao vivo celebra a diversidade e a energia de uma das capitais culturais mais vibrantes do planeta.
Paisagem, bem‑estar e símbolos

Crédito da imagem: royalparks.org.uk
O desenho naturalista do parque tem no Serpentine sua peça‑chave, criado na década de 1730 por iniciativa da rainha Caroline; ali, a Serpentine Lido mantém a tradição do banho ao ar livre. Na borda sul, a histórica Rotten Row preserva o antigo caminho de montaria da corte. E, no quadrante sudoeste, a Diana, Princess of Wales Memorial Fountain tornou‑se um dos marcos afetivos do parque — uma fonte elíptica composta por 545 blocos de granito da Cornualha, concebida para convidar o público a percorrer e interagir com a água.
Por que o Hyde Park importa hoje
Como infraestrutura de convivência, o Hyde Park acolhe desde o treino matinal até grandes eventos, de piqueniques a atos cívicos que marcaram a história britânica — das falas das sufragistas ao início do primeiro Pride do Reino Unido. É mais uma prova de que o espaço público pode ser, ao mesmo tempo, bem-estar, cultura e democracia em movimento.
Na próxima sexta-feira, a série Parques Urbanos continua no site da Antena 1 com o capítulo “Bois de Boulogne: natureza e história às margens de Paris”, explorando como o charme francês transformou um antigo campo de caça em um dos refúgios verdes mais elegantes da Europa.
Um rápido passeio pelo Hyde Parque
Acompanhe a seguir o video "Discover Hyde Park, one of London’s Royal Parks," do canal "The Royal Parks," onde dois guias, Cecilia e Avenue, conduzem um tour pelo parque. A dupla descreve o Hyde Park como um refúgio do agito da cidade e os "pulmões de Londres," destacando sua vasta flora e fauna, incluindo mais de 3.000 árvores, vida aquática no Serpentine Lake, e oportunidades de observação de pássaros e morcegos. O tour menciona várias atividades e eventos no parque, como a prática de esportes (corrida e ciclismo), o Winter Wonderland e concertos de verão, e o clube de natação em águas frias no Serpentine. Por fim, os guias abordam a rica história do parque, passando por locais como o Rotten Row, a antiga área de execuções de Tyburn Gallows, que hoje é o Speakers’ Corner, e o incomum cemitério de animais de estimação.


