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THIS IS NOT AMERICA: DAVID BOWIE E O SONHO AMERICANO EM XEQUE, 40 ANOS DEPOIS

NO SEGUNDO MANDATO DE DONALD TRUMP, A CANÇÃO DOS ANOS 1980 ECOA COMO COMENTÁRIO POLÍTICO ATUAL E INCÔMODO

João Carlos

30/12/2025

Placeholder - loading - Crédito da imagem: capa da compilação Best of Bowie (2002). Gravadora: EMI Records. Reprodução: Spotify.
Crédito da imagem: capa da compilação Best of Bowie (2002). Gravadora: EMI Records. Reprodução: Spotify.

Ao fim do primeiro ano do polêmico segundo mandato de Donald Trump, o debate em torno do chamado “sonho americano” voltou a ganhar força. Se, de um lado, discursos nacionalistas, promessas de grandeza e uma retórica baseada em identidade se intensificaram, de outro, antigos questionamentos sobre o que os Estados Unidos representam, na prática, para seus próprios cidadãos e para o mundo também reapareceram com mais vigor.

Nesse cenário, algumas conexões entre música, cinema e política deixam de ser mera coincidência e se tornam inevitáveis. É exatamente o caso de This Is Not America, canção lançada em 1985 por David Bowie e composta especialmente para o filme The Falcon and the Snowman.

Quase quatro décadas depois, o portal da Antena 1 resgata a faixa e seu título emblemático como um espelho desconfortável de promessas não cumpridas, ilusões nacionais e fraturas internas que permanecem abertas.

Ao completar 40 anos, a canção lançada em fevereiro de 1985 revela como sua mensagem — e sobretudo seu título — seguem assustadoramente atuais, prontos para alimentar ainda mais o debate contemporâneo. Antes disso, porém, vale entender como nasceu esse clássico eternizado na voz do Camaleão do Rock.

O filme que desmonta o mito

Crédito da imagem: cartaz original do filme The Falcon and the Snowman (1985). Estúdio: Orion Pictures. Reprodução: IMDb.

Dirigido por John Schlesinger, The Falcon and the Snowman é baseado em fatos reais e se afasta completamente do glamour típico das narrativas de espionagem. O longa acompanha dois jovens americanos comuns, sem perfil ideológico definido, que acabam envolvidos em um dos episódios mais simbólicos da Guerra Fria.

Christopher Boyce, interpretado por Timothy Hutton, trabalha em uma empresa terceirizada do setor de defesa e tem acesso a informações ultrassensíveis. Ao perceber práticas ilegais, manipulação de dados e interesses políticos obscuros, sua crença no sistema começa a ruir. O patriotismo dá lugar à frustração.

Seu amigo de infância, Daulton Lee, vivido por Sean Penn, entra na trama menos por convicção política e mais por lealdade pessoal. Juntos, os dois passam a repassar informações à União Soviética, não como heróis ou vilões, mas como jovens desorientados diante de um sistema que já não parece digno de confiança.

Um roteiro sem heroísmo

Baseado no livro do jornalista Robert Lindsey, o roteiro adota um tom frio e quase documental. Não há redenção nem discurso moralizante. O filme apresenta uma América burocrática, paranoica e disposta a sacrificar indivíduos em nome de interesses maiores, desmontando a imagem idealizada vendida ao mundo.

É justamente esse abismo entre promessa e realidade que conecta o filme à canção de Bowie.

Recorde o trailer.

A canção como comentário político

This Is Not America não descreve cenas nem personagens específicos. Ela funciona como um comentário moral amplo sobre o que se vê na tela e, por extensão, fora dela. Ao questionar a própria ideia de “América”, Bowie aponta para um ideal que existe mais no discurso do que na prática.

A melancolia da música traduz o momento em que o sonho se esvazia. Não há revolta explícita, apenas a constatação silenciosa de que algo fundamental não corresponde ao que foi prometido. É uma crítica elegante, distante do panfleto, mas profundamente incisiva.

Entre os anos 1980 e o presente

A reaproximação da canção com o debate atual, em meio às controvérsias políticas do segundo mandato de Donald Trump, reforça como certos temas atravessam décadas. Nacionalismo, exclusão, crise de confiança nas instituições e a fragilidade do mito americano seguem no centro das discussões.

Nesse contexto, a avaliação das promessas de Donald Trump passou a exigir uma leitura cuidadosa de balanços oficiais, atas do governo e da cobertura da imprensa internacional, que apresenta interpretações distintas sobre o que foi efetivamente cumprido. A divergência entre fontes também expõe critérios variados para definir o que significa “cumprir” uma promessa, alternando entre ações executivas, mudanças estruturais de longo prazo e metas originalmente previstas para prazos mais curtos.

Esse cenário reforça a percepção de que, mais do que resultados imediatos, o debate em torno do chamado sonho americano permanece marcado por ambiguidades institucionais, disputas políticas e expectativas em aberto. Assim como na música, a parceria de David Bowie com o Pat Metheny Group amplia esse clima de suspensão e desalento. A base instrumental etérea evita qualquer clímax, como se não houvesse resolução possível, apenas a consciência de que o sistema falhou antes mesmo de ser plenamente questionado.

O sonho americano transformado em disputa de narrativas

O chamado sonho americano já não é entendido apenas como prosperidade individual, mobilidade social e oportunidade irrestrita. Em 2025, o mito entrou em processo de desconstrução e passou a ser revisitado a partir de uma ótica mais pragmática, associada às ideias de ordem, crescimento econômico interno e soberania nacional, pilares centrais do discurso político do atual presidente norte-americano.

Ao fim do ano, o resultado foi a consolidação de um sonho que existe mais como narrativa em disputa do que como consenso nacional.

Nesse contexto, o mito deixou de funcionar como ideal unificador e passou a refletir as próprias divisões internas dos Estados Unidos. Para alguns, estaria sendo resgatado. Para outros, redefinido de forma excludente. Assim como na canção de David Bowie, a pergunta permanece no ar: de qual América estamos falando?

Quando música e política se encontram

Ao unir cinema, música e contexto histórico, This Is Not America ultrapassa o status de trilha sonora e se consolida como um comentário duradouro sobre poder, identidade e desilusão. Em 1985 ou em 2025, a pergunta implícita permanece incômoda e atual.

Às vezes, as conexões entre arte e política não são forçadas. Elas simplesmente se impõem.

Acompanhe a música e a letra de This Is Not America no canal da Antena 1 no YouTube, em um registro definitivo desse clássico eternizado na voz de David Bowie.

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