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ESPECIAL-Povo Munduruku é assombrado por ameaça mortal do mercúrio

Placeholder - loading - Geraldo, do povo Munduruku, no Parque Indígena do Xingu, perto de São José do Xingu, Mato Grosso, Brasil 15/01/2020 REUTERS/Ricardo Moraes/Arquivo
Geraldo, do povo Munduruku, no Parque Indígena do Xingu, perto de São José do Xingu, Mato Grosso, Brasil 15/01/2020 REUTERS/Ricardo Moraes/Arquivo

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Por Jimin Kang

(Reuters) - Quando Irene Munduruku, de 38 anos, finalmente foi levada a um hospital do norte do Brasil no ano passado, não conseguia mais mover os braços nem as pernas. Seu marido, Jairo Munduruku, lembra que ela tampouco falava ou abria os olhos.

Médicos disseram a Jairo que ela tinha tumores no fígado e no pulmão direito, mas ele duvidava que o câncer fosse a única causa de suas doenças.

Exames recentes mostraram que o sangue de Irene continha um dos níveis mais altos de mercúrio do vilarejo de Sawré Aboy, situado às margens do Rio Tapajós, na floresta amazônica. Ele suspeitava que a mineração ilegal de ouro tinha algo a ver com as doenças da esposa.

O garimpo ilegal de ouro cresce rapidamente no Brasil, onde o relaxamento dos controles ambientais no governo do presidente Jair Bolsonaro desde 2019 encoraja milhares de mineiros a invadirem terras indígenas protegidas pela Constituição.

Ainda em 2020, a Agência Nacional de Mineração (ANM) estimou que os garimpos clandestinos estavam extraindo cerca de 30 toneladas de ouro por ano só da bacia hidrográfica do Tapajós, usando o mercúrio, um metal pesado tóxico, para separar o ouro dos sedimentos.

Impulsionado por amplos locais de garimpo, o desmatamento na reserva indígena que abriga a maior parte dos Munduruku triplicou desde que Bolsonaro tomou posse, de acordo com dados de satélite do governo.

'Desde 2019 até agora teve um avanço muito grande da atividade dentro do território com abertura de várias áreas novas para garimpo', disse Carol Marçal, porta-voz da Campanha Amazônia do Greenpeace Brasil. 'Existem algumas operações, mas muito pouco do que é necessário para de fato tirar a atividade illegal do território.'

Bolsonaro tem defendido mais mineração e agricultura comercial em terras indígenas, apresentando um projeto de lei para suspender as restrições legais e, dizem os críticos, incentivando os garimpeiros a violarem a lei em vigor.

O Palácio do Planalto não respondeu a um pedido de comentário. Já a Fundação Nacional do Índio (Funai) disse que está trabalhando para proteger reservas indígenas, como a dos Munduruku, e encaminhou as perguntas sobre as doenças dos indígenas para a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), que não respondeu a um pedido de comentário.

Líderes da comunidade Munduruku disseram à Reuters que temem que o avanço do garimpo ilegal polua seus rios, privando-os de suas tradições e disseminando doenças crônicas.

Irene Munduruku voltou para casa em junho, mas seu estado se deteriorou e ela deve voltar ao hospital neste mês. Jairo conta a história da companheira como um alerta da crise que sua comunidade enfrenta.

'Nossos ancestrais nunca nos falaram que devemos destruir nossa forma de vida econômica, social, cultural, tradicional, para enriquecermos destruindo o patrimônio que é de todos', escreveu ele à Reuters. 'A maior riqueza é ser sábio, ter inteligência. Saber respeitar vidas existentes.'

MUDANÇA DE DIETA

Embora o envenenamento por mercúrio não tenha cura, líderes comunitários e grupos sem fins lucrativos procuram maneiras de diminuir os riscos.

Neste ano, a ONG Saúde e Alegria colaborou com nove vilarejos Munduruku para desenvolver sistemas hídricos alternativos que reduzam a dependência do poluído Tapajós. A Associação Pariri almeja criar peixes em córregos mais limpos.

Embora os líderes do projeto ainda estejam buscando financiamento, planejam criar espécies adequadas para criadouros de peixes, como o pacu e o tambaqui, disse Anderson Munduruku, da Associação Pariri.

Eles estão pedindo que vizinhos cortem o bagre, o cação e a piranha de suas dietas, já que sua posição superior na cadeia alimentar os torna muito mais contaminados com mercúrio.

Às vezes, membros da etnia podem ver por conta própria o que os garimpeiros fazem com os rios, que transformam em uma água marrom barrenta que o líder comunitário Deuziano Munduruku comparou com leite achocolatado.

Mas muitas vezes o envenenamento por mercúrio é invisível, contaminando os peixes que são sua fonte principal de proteína.

Em um estudo de 2019 em três vilarejos Munduruku, pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) encontraram mercúrio em amostras de cabelo de todos os 200 participantes.

A maioria das amostras mostrou níveis acima da margem de segurança --até nove vezes o patamar estabelecido pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

'É bem preocupante na nossa região, nas nossas aldeias, para nossas crianças, que estamos consumindo essa metal', disse Beka Munduruku, jovem de 18 anos de Sawré Maybu.

Os sintomas de envenenamento por mercúrio são amplos. Algumas pessoas relatam fraqueza, amortecimento dos sentidos e dificuldade de locomoção, outras sofrem alterações de humor e memória, de acordo com o relatório da Fiocruz.

Nos casos mais graves, ele pode causar danos neurológicos em fetos e causar morte prematura.

Desde que o estudo da Fiocruz veio a público, líderes Munduruku dizem que seu povo mergulhou em especulações.

Adolescentes se queixam de dores nas juntas. Uma criança nasceu com deficiências debilitantes. Um líder local morreu inesperadamente. As pessoas se perguntam se a culpa é do mercúrio.

O envenenamento por mercúrio é difícil de diagnosticar porque poucas clínicas locais fazem exames de detecção do metal, de acordo com o professor Honesio Dace Munduruku.

Honesio, que monitora escolas indígenas na região do Médio Tapajós, vê problemas comportamentais e físicos em alta entre os alunos desde 2018.

Paulo Basta, um dos principais pesquisadores da Fiocruz, disse que aqueles que se saíram pior em exames de aptidão administrados em 2019 tinham os níveis mais elevados de mercúrio no cabelo.

As correlações entre níveis de mercúrio e exames de memória, fluência verbal e raciocínio lógico foram mais observáveis em indivíduos entre 18 e 20 anos, explicou ele, o que lança uma sombra no futuro dos Munduruku.

Escrito por Reuters

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