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Garimpo ilegal envenena espécies ameaçadas na Amazônia

Placeholder - loading - Cientista coloca uma máscara de anestesia em miniatura em um rato-do-arroz enquanto pesquisa sinais de contaminação por mercúrio em animais, na Estação Biológica de Los Amigos, em Los Amigos, na regiã
Cientista coloca uma máscara de anestesia em miniatura em um rato-do-arroz enquanto pesquisa sinais de contaminação por mercúrio em animais, na Estação Biológica de Los Amigos, em Los Amigos, na regiã

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Por Gloria Dickie e Jake Spring

ESTAÇÃO BIOLÓGICA LOS AMIGOS, Peru (Reuters) - Em uma barraca no meio da Amazônia peruana, quatro cientistas se amontoam ao redor de um pequeno paciente. Trata-se de um roedor que cabe na palma da mão.

Os pesquisadores colocaram o pequeno rato-do-arroz em uma câmara de plástico e injetaram um gás anestésico até que o animal, desacordado, simplesmente virasse de patas para o ar. Eles removeram o bicho do aparelho, colocaram uma máscara anestésica de miniatura e mediram seu corpo antes de retirar pêlos de suas costas com a ajuda de pinças.

As amostras foram então colocadas em um plástico e enviadas ao laboratório da Estação Biológica Los Amigos, ali perto. O intuito: descobrir se o rato está contaminado por mercúrio.

A estação fica no meio da floresta, mais precisamente a sudeste da região de Madre de Dios, que faz fronteira com o Acre. Lá, 46 mil garimpeiros estão nas margens dos rios em busca de ouro. É a capital da mineração em pequena escala do país andino.

Um estudo pioneiro compartilhado com a Reuters concluiu preliminarmente, por meio de testes como o que foi realizado no pequeno roedor, que o mercúrio produzido pelo garimpo ilegal e desenfreado está afetando os mamíferos terrestres da Amazônia.

Doenças neurológicas, problemas de imunidade e dificuldade na reprodução são alguns dos riscos em humanos e aves associados à absorção ou ingestão de água e alimentos contaminados por mercúrio. Mas os cientistas ainda lutam para entender todos os efeitos em outros animais da floresta, onde mais de 10 mil espécies de vegetais e animais estão correndo risco de extinção devido ao processo destrutivo ao qual a Amazônia tem sido submetida.

A Reuters acompanhou os pesquisadores em Madre de Dios por três dias no fim de maio e revisou as descobertas dos estudos inéditos. Os dados mostram que houve contaminação por mercúrio vindo do garimpo ilegal do ouro em mamíferos como roedores, jaguatiricas e sauás.

Na próxima semana, líderes de oito países da região se encontrarão na Cúpula da Amazônia, em Belém, no Pará. O encontro, que terá o presidente Luiz Inácio Lula da Silva como anfitrião, objetiva discutir como acabar com o garimpo ilegal de ouro na floresta.

A rápida expansão da atividade nos últimos 15 anos é vista pelos governos como uma ameaça ambiental e de saúde. A Colômbia propôs um pacto regional para o fim da mineração ilegal, sem ter contudo vociferado um prazo para isso, disse à Reuters um porta-voz do governo colombiano.

Um estudo da San Diego Zoo Wildlife Alliance, da Field Projects International e da Conservación Amazónica coletou amostras de pêlos e penas de mais de 2.600 animais de ao menos 260 espécies para estudar a vida na região em uma área de 4,5 quilômetros quadrados ao redor da estação de Los Amigos. Entre os animais estudados estão o sagui-imperador e o macaco-prego.

Embora os cientistas tenham iniciado os testes para mercúrio em Los Amigos há dois anos, algumas das amostras foram coletadas desde 2018. Das 330 já examinadas entre os primatas, praticamente todas estavam contaminadas por mercúrio, com níveis “surpreendentes” em alguns casos, de acordo com a bióloga Mrinalini Erkenswick Watsa, do San Diego Zoo Wildlife Alliance.

Ela afirmou que não pode divulgar dados específicos até que as descobertas sejam publicadas e revisadas por seus pares. Mas um estudo realizado no ano passado, sob liderança da biogeoquímica Jacqueline Gerson, da Universidade do Colorado em Boulder, mostrou que pássaros tinham níveis de mercúrio 12 vezes mais elevados do que aqueles que vinham de matas distantes do garimpo ilegal de ouro.

Durante a visita da Reuters a Los Amigos, cientistas capturaram roedores em armadilhas de metal com pasta de amendoim, enquanto que os pássaros e até um morcego foram pegos por meio de redes içadas na floresta.

BOOM DO GARIMPO

A grande maioria dos pequenos garimpos operam ilegalmente em regiões protegidas da Amazônia ou na informalidade. Não se tratam de reservas, mas ainda assim eles não têm autorização para exercer tal atividade.

Até em corredores de garimpo aprovados pelos governos, mineradores informais trabalham sob muito pouca supervisão estatal. Um desses casos ocorre justamente na região Madre de Dios. De acordo com pesquisadores, muitos pequenos garimpeiros ignoram leis que proíbem o desmatamento e o uso de mercúrio líquido, que é tóxico, para separar o metal do sedimento.

Parte do mercúrio já foi até absorvido pelo ambiente e, em alguns casos, colocou espécies sob risco de extinção: “Quando alguém compra esse ouro no anel de casamento, pode estar deixando a Amazônia um pouquinho mais doente”, disse Erkenswick Watsa.

A mineração de ouro na região é um labor que remonta a séculos no Peru. Mas foi em 2008, quando a recessão econômica mundial elevou o preço do metal, que a região de Madre de Dios vivenciou um grande aumento da atividade. Os investidores precisavam de um lugar seguro para colocar seus recursos em meio à grande volatilidade no mercado financeiro e nas moedas.

Mas fazer o rastreamento do ouro artesanal em todo o mundo é uma atividade hercúlea. Essa parte da produção corresponde a até 20% da produção mundial, ou de 30 a 40 bilhões de dólares, de acordo com o Artisanal Gold Council (AGC), que promove o desenvolvimento sustentável do setor.

A produção está em 500 toneladas métricas neste ano, contra cerca de 330 em 2011, de acordo com dados do conselho. O Peru, que é o maior produtor do metal na América Latina, extrai sozinho cerca de 150 toneladas métricas de ouro artesanal todos os anos.

Em Madre de Dios, cerca de 6.000 garimpeiros trabalham com autorização. A população de trabalhadores ilegais e informais, contudo, é exponencialmente maior: 40 mil, segundo um estudo publicado no ano passado pela Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional.

O governo peruano declarou estado de emergência na região em 2019, destacando 1.500 policiais e soldados para combater a atividade. A repressão surtiu efeito e tirou muitos mineradores de regiões protegidas, deslocando-os para um corredor aprovado de extração. Mas o Ministério do Meio Ambiente do Peru não respondeu a pedidos da Reuters para que comentasse a contaminação de mercúrio em animais.

Em 2021, garimpeiros começaram a operar no quintal da estação de Los Amigos. Ela fica na fronteira do corredor de mineração e pode-se ver o local do rio onde os mineradores derrubaram a mata para montar poços de garimpo.

“Esta é uma região do Peru que teve crescimento econômico, e que acabou sendo associado à mineração de ouro”, disse Gideon Erkenswick, pesquisador e marido de Mrinalini. Ele chegou à estação há 14 anos, para estudar doenças dos animais e os primatas. “Isto aqui foi totalmente transformado.”

O governo peruano calcula que os mineradores ilegais despejam 180 toneladas métricas de mercúrio todos os anos na região de Madre de Dios. Eles misturam a substância com lodo do rio em barris de petróleo. O mercúrio cola nos fragmentos de ouro, resultando em amálgamas. Os garimpeiros então os queimam para que o mercúrio vire vapor e isole o ouro. Mas o mercúrio gasoso penetra na floresta pelos poros das folhas, de acordo com um estudo publicado pela Nature Communications no ano passado.

O vapor também se prende à poeira e a aerossóis, chegando às folhas. Quando chove, ele é escoado para o solo.

COMIDA COM MERCÚRIO

Pouco depoisdo amanhecer, o biólogo Jorge Luis Mendoza Silva gentilmente solta um uirapuru vermelho, laranja e amarelo da rede que o capturou. Na barraca, os cientistas retiraram amostras das penas do peito da espécie e enviaram para análise, antes que o pássaro retornasse com saúde para a liberdade. Uma máquina queima as penas, medindo a quantidade de mercúrio emitido.

Os animais ingerem mercúrio por meio do alimento, em plantas, insetos ou outros animais. Aqueles mais acima na cadeia alimentar geralmente apresentam maior quantidade da substância, já que acumulam também os elementos presentes em suas presas.

Mas os cientistas na estação de Los Amigos não têm certeza sobre como os macacos estão sendo contaminados, já que peixes e outros alimentos com alta contaminação não fazem parte do cardápio habitual desses mamíferos. Segundo Caroline Moore, uma toxicologista veterinária do San Diego Zoo Wildlife Alliance, o metal pode estar vindo da água que bebem ou até do ar que respiram.

O impacto na saúde dos primatas ainda é incerto, mas pode acarretar em problemas na população dos animais. Para ela, se os níveis de mercúrio subirem demais, a reprodução pode ser dificultada.

“Estamos notando mudança no número de filhotes que, por exemplo, os saguis estão tendo?”, questionou.

Essas perguntas só poderão ser respondidas com mais dados. Nos próximos anos, cientistas esperam criar uma base de longo prazo no Peru e em outros locais de garimpo para entender como o mercúrio está afetando os mamíferos mundialmente.

“Essa prática está disseminada na Bacia Amazônica e também na Bacia do Congo e na Indonésia. É um problema global dos trópicos”, disse o ecotoxicologista Chris Sayers, da Universidade da Califórnia.

(Reportagem de Jake Spring, na Estação Biológica Los Amigos, e Gloria Dickie, em Londres)

Escrito por Reuters

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